A SAGA DE UMA CIDADE

Já disse em certa ocasião que a história de uma cidade se conta através da leitura da biografia dos homens que a construíram. Centenas de pioneiros construíram Cianorte e fizeram dela o que ela é. Os jovens cianortenses, talvez não saibam e nem se importam com o passado, não perguntam “quem passou por aqui antes de mim?”, pois é um tempo incompreensível, diante de sua própria realidade cotidiana. Mas, a história dos que desbravaram nossa terra deve ser cultivada, sob pena de perdemos nossas raízes. Ao perder a memória da cidade, perde-se um pouco de si próprio, pois, a história deixa de ser contada e pobre de um povo que não tenha história para contar. Onde ficam seus atos de bravura, suas peculiaridades, seus momentos únicos?

Décadas se vão desde que a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná comprou estas terras da companhia inglesa Paraná Plantation. Uma região dourada, com terras férteis coberta por densa mata sub-tropical, virgem, povoada pelos últimos Xetás, pedindo para ser conhecida. E o que falar dos caboclos Sutis, aquele grupo nômade que andava pela mata?

Um grupo de topógrafos comandado pelo primeiro Prefeito Wilsom Ferreira Varella, funcionário da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, em 1948, veio codificando o lugar, abrindo picadas na mata, e naquele pasto que existe atrás da Zona Quatro até hoje, lugar histórico, mas pouco consagrado, armaram um acampamento conhecido na época como “15 alqueires”. Lá instalaram suas barracas, desceram seus equipamentos de cima dos lombos de burros, se acomodaram. Com os mapas abertos, fundados no projeto urbano do Engenheiro Jorge Macedo Vieira, o mesmo que projetou Maringá, aproveitando as características do relevo altiplano, começaram a abrir as primeiras avenidas. As árvores centenárias foram caindo uma a uma para dar lugar ao pequeno povoado.

Havia uma intensa propaganda para venda dos lotes e isto era um chamariz para aqueles que procuravam uma nova vida, que aspiravam o progresso. Daí a grande característica de nossa gente. Os pioneiros vieram para construir e este espírito patriótico transmitiu-se através das sucessivas gerações.

Os diretores da companhia se esmeravam naquilo que chamariam a menina dos olhos. O Dr. Hermann de Moraes Barros, eu, criança ainda, via-o passar pelas ruas arenosas, onde os galhos das árvores jaziam tombados após as queimadas. Dr. Gastão de Souza Mesquita Filho, Dr. Gastão Vidigal, Dr.Paulo de Moraes Barros Neto, D. Helena, senhora gentil e elegante chegavam de avião, no pequeno aeroporto improvisado e corríamos como crianças curiosas para ver o avião chegar. Lembram da Companhia Aérea “Real” que fazia Cianorte?

Foi levantada a primeira construção da cidade que nascia aspirando ser grande: o Hotel Cianorte, moderno, pelos padrões da época, confortável, amplo, de madeira, cheirando à tinta fresca, na Praça 26 de Julho. As famílias Nasser e Manfrinato acabaram administrando o hotel, que se tornou o centro social do povoado, e quiçá, cultural. Enquanto isto o velho Primo Manfrinato, o José Silva (primeiro CRECI da cidade) eram corretores, de imóveis, vendendo lotes da Companhia, em frente ao Bar Garoto com outros corretores.

Mas a cidade precisava ser inaugurada. Rezou-se a primeira Missa, uma cruz levantada no meio da selva. Um altar singelo foi improvisado e Ana Maria Silveira Manfrinato saiu às pressas buscar sua “santinha” Nossa Senhora de Fátima e colocou sobre o altar, por sugestão do Dr. Hermann. Presentes além do pessoal da Companhia, aquela que seria a primeira dama do município Luiza Lúcia Ruffini Varella , fundadora da APMI, acompanhada de Dona Júlia Cossich, Dona Helena de Moraes Barros, Oscar Boeing, Miguel Venar, Primo Manfrinato, Maurício Cossich, Manuel de Almeida Pina. Também estava o coroinha da primeira missa Virgilino Ferreira Varella. Registro dos pioneiros. Outros haviam, sim, e que bem merecem uma pesquisa mais apurada.

A Praça 26 de Julho, que era apenas um redondo poeirento, abrigou a primeira rodoviária. As pessoas desciam dos ônibus sacolejantes, feito formigas, no dizer de um pioneiro, já falecido Miguel Sena.

O povoado precisava de uma igreja e a pequena Igreja Nossa Senhora de Fátima, de madeira, foi levantada à custa de rifas e doações no meio do pequeno bosque, hoje Bosque “João XXIII”. E A LINDA IGREJINHA NÃO ERA AZUL, era pintada de amarelo clarinho, uma tinta muito comum da Companhia Melhoramentos para pintar suas construções! E quem dos pioneiros não se lembra daquele baiano engraçado que sumiu com o dinheiro da rifa?

Como chamar esta cidade? Que nome se daria a ela. Nasceria de uma canção, tal como foi Maringá? Entre os funcionários da Companhia ela era identificada com a sigla telegráfica Cia Norte. Foi fácil juntar os fonemas. Nasceu CIANORTE, que encheu de orgulho seus habitantes. Dali para cá todos os seus habitantes sabem um pouco da história, contada em retalhos, e, que mereceria muitas laudas para falar da cidade que amamos.

Quem não se lembra das ruas cheias de areia, que nos obrigava, em dia de missa, a tirar os sapatos e andar descalços sobre ela, pois, entravam nos vãos dos sapatos, incomodando?

Quem não se lembra das noites gostosas, onde a lua a passeava no ceú e com nossas cadeiras nas calçadas, surgia uma rodinha de amigos, vizinhos, falando coisas banais, de assombração, de “causos”, histórias tiradas do cotidiano?

Quem não se lembra do casal de libaneses Mitre e Saada Nabhan, fazendo bolinhos de carne de carneiro, vendendo armarinhos, sem bem falar o português, na antiga “A Libanesa”?

Quem não se lembra do Matuê, do Mudinho, do Amândio Mathias, figuras incríveis que marcaram o nosso folclore?

Quem não se lembra das “mulheres fáceis”, que se locomoviam de charrete, e foram colocadas no meio da mata, e que colaboravam nas noitadas alegres dos homens da época?

Quem não se lembra do Mudinho gritando “água, água”, pelas ruas, quando foi instalada a água encanada em Cianorte?

Quem não se lembra do velho cinema do Sr. Odilon Alves Ferreira, onde íamos na cozinha da casa dele, que era junto do cinema, enchíamos o prato de comida e entrávamos no cinema, para comer assistindo a fita?

Quem não se lembra do alemão que era o operador do cinema e que quando bebia passava a fita de trás para frente?

Quem não se lembra do Adão Pedro de Oliveira, fazendo a crônica social nas manhãs de Domingo, na Rádio Porta Voz?

Ah! Quanta história para contar!

Uma cidade só é mesmo consolidada, se contada a sua história, através das biografias dos homens que a construíram.

Salve Cianorte e seus pioneiros!

Izaura Aparecida Tomaroli Varella

Pioneira, cidadã cianortense