Serviços judiciais que não estavam sendo plenamente prestados desde meados de março, em função do regime de trabalho remoto adotado como medida preventiva ao contágio pelo coronavírus, voltaram a ser executados a partir do dia 16 de setembro no Paraná, com a retomada gradual, pelo Tribunal de Justiça e pelo Ministério Público Estadual, das atividades presenciais consideradas imprescindíveis. Os julgamentos pelo Tribunal do Júri de processos que possuem réus presos preventivamente, por tratarem de crimes graves que atingem a sociedade, estão entre esses trabalhos.
Em Curitiba, os júris estão sendo realizados de modo presencial, mas sem público e com a adoção de diversos cuidados de ordem sanitária, de modo a evitar a contaminação pela Covid-19. Apesar das medidas de prevenção, a transparência e a publicidade dos atos têm sido asseguradas principalmente pela transmissão ao vivo dos julgamentos pelo canal do TJPR no Youtube.
Conforme salienta o procurador-geral de Justiça, Gilberto Giacoia, “o que se pretende é, sem descuidar da saúde de todos, manter a efetivação desse importante serviço público prestado à sociedade paranaense, haja vista sua essencialidade para a proteção da segurança da população e da dignidade da vida”.
O promotor de Justiça Marcelo Balzer Correa, coordenador das Promotorias de Crimes Dolosos contra a Vida de Curitiba, explica que a retomada dos júris ocorreu somente após inúmeras deliberações e observando todas as recomendações e protocolos sanitários para adequar o plenário do Tribunal do Júri à realização dos julgamentos. “Cabe ressaltar que, embora as sessões estejam com restrições à participação do público, todos os princípios vêm sendo respeitados, inclusive o da publicidade, através da plataforma do Youtube (canal do TJPR)”, comenta. Ele acrescenta que o dito princípio não exige auditório, nem plateia, mas garantia de publicidade do ato.
PROVIDÊNCIAS DE SEGURANÇA
Em observância ao protocolo instituído para as sessões presenciais, em Curitiba, todas as pessoas que ingressam no Tribunal do Júri são submetidas à medição de temperatura e higienização das mãos. Os espaços e objetos utilizados também são limpos com álcool e o uso de máscaras é obrigatório, inclusive durante os debates e depoimentos. Com o respeito do necessário distanciamento social, os jurados agora ficam sentados no plenário, local antes destinado ao público.
O promotor de Justiça Fuad Faraj, da 2ª Promotoria do Tribunal do Júri de Curitiba, representou o MPPR no primeiro julgamento realizado na capital após a retomada das atividades presenciais. Ele diz que o júri ocorreu sem imprevistos ou problemas decorrentes das medidas sanitárias adotadas. “O esquema montado permite que os júris sejam retomados, sem a exposição dos envolvidos aos riscos de contágio pelo coronavírus. Há, por óbvio, dificuldades a serem enfrentadas e evoluções a serem conquistadas, mas faremos o que for preciso para cumprir bem e fielmente nossa missão institucional. É importante frisar que, embora os julgamentos pelo Tribunal do Júri não estivessem sendo realizados, o Ministério Público do Paraná e o Tribunal de Justiça do Paraná não paralisaram em nenhum momento suas atividades. Justiça é e deve ser encarada como serviço de natureza essencial e as duas instituições continuaram desenvolvendo suas funções, inclusive com expressivo incremento de sua produtividade.”
A promotora de Justiça Ticiane Louise Santana Pereira, que também atua em Curitiba, considera que as sessões de julgamento, dentro das circunstâncias impostas pelo momento, estão sendo realizadas de forma absolutamente tranquila. Ela aponta apenas que, pelo júri ter uma conformação específica em que a comunicação é fortemente realizada pelas palavras, pela linguagem corporal, pela expressão facial e pela emoção, o uso de máscaras compromete um pouco essa dinâmica. “Estamos tendo que aprender a nos comunicar mais pelos olhos. Eles precisam emocionar, falar, já que, em alguns momentos, até a respiração fica mais difícil, e a fala, comprometida. Mas nada disso impede que o júri possa ocorrer, e a Justiça cumpra seu papel”, comenta. Ticiane acrescenta que o comprometimento exigido pelo serviço público – notadamente das autoridades, que devem estar na linha de frente neste momento – acaba fazendo a diferença. Ela também aponta uma vantagem no novo formato: a possibilidade de um número maior de pessoas acompanharem os júris, pela transmissão on-line. “A transmissão ao vivo é uma nova técnica, que permite nos conectarmos aos novos tempos e torna a fiscalização desse trabalho público mais acessível a boa parte da população”, analisa.
A promotora de Justiça Roberta Franco Massa, da 2ª Promotoria do Tribunal do Júri de Curitiba, destaca também o papel dos jurados para a normalização dos julgamentos. “Até o momento, todas as sessões em Curitiba puderam ser realizadas graças ao comparecimento do número mínimo de jurados e juradas. Nesse período de retomada dos trabalhos, tivemos que nos ajustar para prestarmos um serviço público digno à população, mas a disposição dos jurados em comparecerem e tornarem possível a realização dos trabalhos é ainda mais digna, é extremamente louvável!”, comenta.
RITMO NORMAL
A promotora de Justiça Marcela Marinho Rodrigues, que também atua nas Promotorias de Crimes Dolosos contra a Vida de Curitiba no âmbito dos inquéritos policiais, conta que a volta dos júris era bastante aguardada, até porque os crimes continuaram ocorrendo. “Durante os primeiros 40 dias de isolamento social, percebemos uma redução nos crimes contra a vida. Mas, passado esse período, a criminalidade voltou ao ritmo normal, havendo até um acréscimo no que se refere à violência doméstica e aos casos de feminicídio. Então, nessa fase pré-processual, o trabalho continuou com foco nos crimes que ocorreram nesse período. Só houve certo atraso em relação a casos pretéritos, em função das dificuldades de dar continuidade às investigações”, comenta. Com o retorno, ela diz que está sendo possível apresentar à sociedade o resultado final de todo o trabalho feito pela equipe do Tribunal do Júri, o que é muito importante, já que a vida é o bem maior que o MPPR defende.
SEMIPRESENCIAIS
Com a retomada gradual, um novo modelo de júri também começou a ser implementado no Paraná. Trata-se do julgamento semipresencial, que está sendo feito em algumas comarcas do interior, onde também estão ocorrendo júris presenciais. No modelo semipresencial se fazem presentes no Tribunal do Júri apenas o juiz, o promotor de Justiça, os advogados de defesa, os jurados e alguns servidores. Já o réu é ouvido e acompanha a sessão por videoconferência e as testemunhas prestam depoimento de modo virtual.
Um dos primeiros julgamentos nesse formato no estado ocorreu em Arapongas. O sorteio dos jurados foi feito ao ar livre, na entrada do Tribunal. Da mesma forma ocorrida nos júris realizados em Curitiba, também foram adotadas medidas sanitárias rígidas, que incluíram esterilização dos espaços e objetos utilizados, bem como medição de temperatura, uso de máscara e limpeza das mãos com álcool em gel por todas as pessoas que acessaram o Tribunal do Júri. Os jurados ficaram dispersos no plenário, e a acusação e a defesa posicionaram-se em lados opostos do auditório. O promotor Fernando Augusto Sormani Barbugiani, que atuou no júri, conta que a única dificuldade perceptível refere-se ao uso de máscaras durante as explanações: “A máscara deixa a fala abafada e, mesmo com o uso de microfone, impõe maior esforço para quem está falando, até porque os jurados estão na plateia, relativamente distantes”. Por outro lado, o promotor comenta que, embora as provas tenham sido exaustivamente exploradas, o modelo semipresencial permitiu que o júri fosse realizado em menor tempo.
A juíza Raphaella Benetti da Cunha Rios, da 1ª Vara Criminal de Arapongas, que presidiu a sessão, considera que a maior dificuldade para a realização do julgamento neste período de pandemia é, seguramente, proporcionar um ambiente o mais seguro possível e cativar a presença dos jurados, já que não seria viável a fixação de penalidade pelo não comparecimento à sessão. Ela diz que os oficiais de justiça da comarca foram essenciais no trabalho de sensibilização dos sorteados.
A adoção de medidas especiais de segurança nas sessões dos Tribunais do Júri, com restrições à participação do público e cuidados para evitar a propagação do coronavírus, continuará a ocorrer enquanto se fizer necessário, em função da pandemia de Covid-19.
MENSAGEM DO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
JÚRI E DEFESA DA VIDA
Nossa tradição de delegar aos próprios pares o julgamento daqueles que atentam contra a vida faz a justiça aproximar-se ainda mais da sociedade, pois na defesa do mais valioso dos bens jurídicos proclama-se o reconhecimento de um veredito que expressa a vontade social. E, de fato, aqueles que vivem no mesmo espaço social, que compartilham uma mesma formação cultural, conhecem bem os costumes, estão sujeitos aos movimentos locais, que se impregnam das impressões emocionais que o crime de homicídio tanto suscita, traduzem muito melhor o sentimento social de justiça porque julgam segundo sua consciência e sensibilidade. Por isso mesmo já se disse que a criação da justiça fora do âmbito estreito e da rigidez do direito positivo, é altamente democrática, como ocorre com a instituição do júri, pois assegura a participação direta do povo na administração da justiça. Tanto que o sistema de apreciação de provas pelos jurados é o do livre convencimento ou da convicção íntima, observado o princípio da soberania dos vereditos. Mesmo a leniência que se costuma atribuir a eles em relação a uma certa tendência absolutória, hoje, em face da criminalidade crescente, sobretudo nos grandes núcleos urbanos, não mais prevalece. Instituição longeva que tem sobrevivido mesmo no fluxo das grandes transformações sociais, porque inspirada em uma dimensão do direito liberal e democrático. Sim, “o júri, juiz de consciência, está no meio do povo, conhece melhor que ninguém as circunstâncias do fato e as condições dos protagonistas…” (Ruy Barbosa, O Júri sob todos aspectos, com introdução de Roberto Lyra, Rio de Janeiro, Ed. Nacional, 1950). Por tudo isso, inspira tanto interesse da sociedade, e não poderia mesmo ser diferente. Contudo, justamente por serem juízes leigos, reclama-se ainda mais a importância da eficiência aos que protagonizam os debates orais. Daí o enorme reconhecimento aos nossos valorosos agentes ministeriais que atuam perante o Júri Popular, apresentando aos jurados fatos, provas e argumentos na luta pela demonstração da verdade e pela realização da Justiça. Percebam bem, em época aguda de pandemia, as sessões estavam suspensas e parece que, então, faltava algo à sociedade, havia um vazio, no quesito da administração da justiça. Retomadas, paulatinamente, as sessões, vemos o envolvimento de volta da sociedade pautado pela necessidade que temos, humanos, de justiça. Os resultados aí estão. Vibrantes, os debatedores contribuem para vereditos que correspondam quanto mais possível aos anseios de justiça, na preservação da dignidade da vida. Saudemos o retorno do júri. Melhor seria, óbvio, que não tivéssemos necessidade dele pelo respeito à vida humana. Mas, desde que o crime, qual sombra sinistra (como já se afirmou), não se aparte do homem, sempre haverá espaço para instituições com o perfil democrático do Tribunal do Júri.
Coincide a reflexão com a proximidade das comemorações de Maria Aparecida, a Padroeira do Brasil, que inspira a construção de uma sociedade cada vez mais igualitária e justa, bem como com a semana da criança, nossa eterna esperança de um futuro melhor e de um legado de valores morais que muito acrescentem graus à nossa escada civilizatória para as gerações que nos sucedem, sobretudo no tocante ao respeito ao valor máximo a preservar, que é o direito à vida.
Fonte: Assessoria de Comunicação do Ministério Público do Paraná