ASSIM SERÁ

É chegada a hora de me desfazer dos meus sonhos pequenos, eis que pequenos são os resultados. Descarto enfiar-me entre as folhas, inocente, e esperar que o Sol venha buscar as flores. Quero ser uma explosão de manacás no começo da estação invernosa e deslumbrar os olhares com minhas cores reluzentes e escandalosas no brilho de toda a manhã.

Nem quero mais me aconchegar no edredom macio, porque o frio não mais me sustenta, o calor me acolhe e me lança ao rumo da claridade da vida. Enterro minhas lembranças ásperas na pele da nova estação que avança. Passadas tantas décadas da vida ainda brilha nos meus olhos a expectativa de ser eterna. Pretensão? Arrogância? Desafio? Sim! Eu desafio o tempo para conter as lágrimas que sempre fluíram, ao lado do amado, na distância dos filhos, netos, família que o tempo me brindou.

Desafio, sim, quem queira pensar que um dia tudo se findará, consequência da materialidade da existência, para mim, curta demais, eis que quando se está plena das dores, alegria e experiência, a vida flui definitivamente, pelos meandros do “nunca mais”, do “para sempre”. Desafio que a ternura que cultivo em minh’alma se acabe. No passar dos séculos serei mais uma no calendário dos que se foram, mas a ternura circundará meus descendentes e os acompanhará. Eles terão o meu cheiro. Não cheguei até aqui para ser mais um dia no calendário e nunca mudar de estação. A estação invernosa não me alcançará, eis que me recuso caminhar procurando meus próprios rastros, que já feneceram. Aquele sol da alvorada me sustenta e me ilumina.

Afinal, não cheguei até aqui para não deixar nada. Meu espírito vai pairar sobre os campos de azaléias, sobre a ramagem das jabuticabeiras e sobre os galhos de manacá para sempre. Quando uma flor de manacá se abrir estarei por perto!

Izaura Varella – descendo a escada da vida