A operação Lava Jato revelou os primeiros esquemas de corrupção na Petrobras, em meados de 2014, o advogado soteropolitano André de Almeida, de 43 anos, percebeu que podia agir a favor dos investidores que perderam dinheiro com as ações da estatal.
Hoje, ele é o idealizador da ação coletiva que levou a Petrobras a concordar em pagar US$ 2,9 bilhões para encerrar uma disputa judicial com acionistas nos Estados Unidos. Ele também é autor da ação civil pública no Brasil que pede o reconhecimento do mesmo direito aos acionistas brasileiros.
Naquele ano, os papéis da petroleira perderam quase 40% de seu valor e seguiram em queda livre no ano seguinte. A empresa viu seu valor de mercado cair R$ 87,182 bilhões. Quem investiu na empresa pouco antes do escândalo vir a público só viu o dinheiro começar a ser recuperado a partir de 2016.
Ao longo deste período, vários investidores abriram ações contra a Petrobras no Brasil e no exterior. Mas a ideia de processar uma petroleira que abriu capital na bolsa de Nova York, por meio de uma “class action”, era inédita. Foi no segundo semestre de 2014 que Almeida levou a ideia a cabo.
Pela lei dos EUA, a class action é uma espécie de ação coletiva que protege os interesses dos investidores que se sentiram prejudicados pela má conduta de alguma empresa. No caso da Petrobras, ela atende aos acionistas que compraram ADRs (papéis da empresa negociados em Nova York).
Primeiros passos e resistência
A vivência nos Estados Unidos permitiu a Almeida conhecer a fundo o sistema jurídico norte-americano. Pós-graduado pela Universidade de Georgetown, em Washington, ele sabia que as class actions eram relativamente comuns no país quando se tratava de proteger acionistas minoritários prejudicados por má gestão corporativa.
Mas por ser brasileiro e ter um escritório apenas no Brasil, ele precisou se associar a um escritório norte-americano para representar a class action. Primeiro, ainda era preciso convencer os estrangeiros de que a empreitada valia a pena.
Segundo Almeida, os advogados americanos ficaram surpresos ao conhecer os fatos narrados nas denúncias contra a Petrobras. Ele escolheu o escritório de advocacia Wolf Popper, um dos mais tradicionais de Nova York, com mais de 70 anos de existência, para representar a ação.
“Era claro, tanto para nós, quanto para eles, que num mundo economicamente globalizado, no qual está inserida a IPO da Petrobras, é impossível que este tipo de criminalidade não gerasse qualquer tipo de responsabilização”, aponta Almeida.
Embora a ideia tenha sido bem recebida pelos investidores brasileiros que compraram as ações da Petrobras no exterior, o advogado conta que muitos ficaram receosos de participar diretamente da class action, por temerem algum tipo de represália por parte do governo, que é controlador da Petrobras.
“Vale lembrar que, na época, muitos dos que estão atualmente sendo acusados de participar do esquema de corrupção em questão ainda ocupavam importantes cargos no governo”, recorda o advogado.
Acordo bilionário
Na última quarta-feira (3), Almeida estava em Nova York quando descobriu que valeu a pena correr o risco. A ação resultou num acordo que prevê o pagamento de US$ 2,9 bilhões aos investidores para encerrar a disputa jurídica nos EUA. Este valor é 6,5 vezes maior que todo o dinheiro recuperado pela Operação Lava Jato e devolvido ao caixa da estatal.
O escritório que participou do acordo nos EUA também terá direito a parte deste pagamento pela prestação do serviço. Sem falar sobre o percentual ou quanto será sua parte em honorários, Almeida diz que a decisão sobre o valor e sua divisão é do juiz responsável pela causa.
Ação coletiva no Brasil
Antes mesmo de sair o acordo nos EUA, Almeida sabia que os minoritários que compraram ações da petroleira no Brasil poderiam não ter a mesma sorte que os detentores das ADRs no exterior.
Com isso, procurou a Associação dos Investidores Minoritários (Aidmin), que ele chama de “grupo de idealistas”.
No final do ano passado, o advogado entrou com uma ação civil pública (ACP) na justiça estadual de São Paulo representando todos os acionistas minoritários. Nela, ele pede que a Petrobras repare os minoritários pelas perdas causadas com os escândalos de corrupção.
“Sempre nos preocupou a possibilidade de que os investidores estrangeiros conseguissem ser indenizados em detrimento dos acionistas nacionais, que seriam duplamente penalizados, seja por não receberem a indenização no Brasil, seja porque os acionistas teriam de suportar o ônus econômico do pagamento das indenizações determinadas pela justiça norte-americana”.
No Brasil, não existe um mecanismo jurídico que os defenda os investidores como a class action.
Assim que saiu o acordo nos EUA, Almeida enviou uma petição à justiça pedindo que a Justiça brasileira aplique aos investidores do Brasil as mesmas condições dadas aos estrangeiros. Na peça, o advogado defende que o valor da indenização aos brasileiros seja “ao menos igual” ao valor pago aos estrangeiros, citando o princípio jurídico da equidade.
Diferentemente dos EUA, não existe no país uma legislação específica que proteja o investidor que foi prejudicado no mercado de capitais ou que responsabilize penalmente uma companhia por atuar com má conduta.
A Petrobras conta com este entendimento ao defender que não tem obrigação de indenizar investidores que compraram ações no Brasi. A estatal vem apresentando defesa caso a caso.
A ação ainda aguarda a citação da Petrobras e sua contestação. Só então o Ministério Público Estadual dará seu parecer. Segundo Almeida, ainda não há previsão para a peça ser apreciada no Brasil, mas ele acredita na possibilidade de a Petrobras “decidir negociar um acordo também nesta ação”.
“O acordo abre uma oportunidade para que os investidores, em especial aqueles de caráter institucional, como já dito, adotem as medidas legais necessárias para recuperarem seus prejuízos”, diz o advogado.
Em resposta ao acordo nos EUA, a Petrobras reiterou posicionamentos anteriores sobre arbitragens instauradas por acionistas no Brasil em que afirma que “a legislação não respalda essa iniciativa”, destacando que a companhia “é vítima dos atos desvendados pela Operação Lava Jato, conforme reconhecido em todas as instâncias do Poder Judiciário que se pronunciaram sobre o tema, incluindo o Supremo Tribunal Federal”.
Fonte: G1