“Passado não é bagagem
O pensamento vazio
Deixa leve a VIAGEM”. Alvaro Posselt
O chamado pontilhão que atravessa a Avenida Goiás é tão desconhecido pela população que a maioria das pessoas ao atravessá-lo, não se dá conta que está passando sobre um pedaço da história de Cianorte. Logo que a cidade foi planejada pela Companhia Melhoramentos Norte do Paraná e as primeiras derrubadas aconteceram, um pouco antes, lá pelos idos de 1952/53 aquela escavação enorme sobre a qual ele se assenta, já existia. A intenção de levar os trilhos do trem para o oeste estava nas metas da Companhia e do Governo Federal. Cortaram a cidade ao meio com a intenção de deixar mais funda a passagem do trem e assim a população corria menos risco com a passagem do trem. Do trem que veio, se foi e nunca mais voltou. E lá ficou a enorme escavação, a cidade cresceu e teve que se arranjar com este corte profundo na terra que dividiu a cidade em duas partes. O pontilhão foi concluído na gestão do primeiro Prefeito Wilson Ferreira Varella.
Ainda nos tempos da fundação da cidade eu achava estranho investir sobre um buraco e onde deitaram enormes toras de madeira de peroba rosa para ligar um lado ao outro, cortado propositadamente, pelo homem. Poucas casas aqui e ali, a cidade acabava no pontilhão. Eu lecionava para uma turma de quarto ano num salão de alvenaria perto onde fica o semáforo hoje. Depois dali só mato crescia. Logo cedo as portas do salão eram abertas e uma luz pendurada do teto clareava o escuro do ambiente, pois não tinha janelas, somente portas. As pessoas paravam na porta por curiosidade, para ver o que estava acontecendo na sala. As crianças se distraíam e se desinteressavam das lições da professora tão sem experiência e muito jovem. Dávamos um intervalo para o lanche e as crianças comiam na calçada estreita que beirava apenas o salão, o resto era areia batida e embatumada que se enfiava pela avenida. Não precisava cuidar das crianças para que não atravessassem a Avenida Goiás, pois, os carros eram raros, um ou outro jipe, uma carroça um caminhão de mudança e nada mais. A única recomendação da jovem professorinha era: “não atravessem o pontilhão”.
Depois do viaduto, havia apenas uns salões que começavam a despontar e lá para frente vinha a Vila Operária. Depois de alguns anos, em 1974, refizeram o pontilhão, agora de concreto, e lhe deram duas mãos, eis que cruzava uma avenida, porque até então ia-se e voltava-se pela mesma passagem. Nunca ouvi falar que aquele pontilhão tivesse nome. Era conhecido simplesmente, como o Pontilhão da Avenida Goiás! Nos primeiros tempos nunca foi chamado de viaduto. Agora puseram uma placa com um nome lá: Viaduto Hercílio Vicente de Souza. E poucas também são as pessoas que sabem que este homem carpinteiro foi um entre os demais trabalhadores que ajudou a construir o novo pontilhão, e participou da construção de inúmeras pontes no município e na região. Um pioneiro legítimo que com seus braços ajudou a construir as primeiras passagens sobre obstáculos na cidade e região. Um simples trabalhador, mas que com a força de seus braços, conseguiu com outros trabalhadores anônimos ligar a cidade de um lado ao outro, sem que se percebesse a passagem.
Mas o velho pontilhão representava sempre uma preocupação constante. Tínhamos notícia de que um homem se jogou do pontilhão num momento de desespero. A cidade se assustou com o acontecimento e quando um Ford F-600 dirigido pelo Galo que fazia frete para o saudoso pioneiro de venda de móveis, Benedito Ribeiro de Campos caiu do pontilhão. O comentário tomou conta da pequena cidade e logo veio o esquecimento. Não posso morrer e levar comigo todas estas lembranças.
Izaura Varella – Advogada, Professora, Pioneira
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