Lá pelos idos de 1953, quando Cianorte despontava do meio da mata fechada, lá vinham pelas picadas, pela estrada estreita, os primeiros habitantes corajosos, despojados de qualquer possibilidade de conforto, mas abertos para o desconhecido. Iam se localizando aqui, ali, acolá, onde fosse possível dormir, debaixo de um céu cheio de estrelas, debaixo de uma lona ou debaixo de um telhado simples. Carregados de esperança, de melhorar seu modo de viver, o sofrimento do desconforto nada significava para aqueles homens primeiros, meio abrutalhados e com os olhos nas estrelas. Abraçavam suas crias e vinham para o encontro do inesperado. E onde buscar o alimento? A floresta era generosa com seus verdes e com seus bichos e a água, na beira de um riacho choroso era possível matar a sede. Porém, a aventura acabava e fixar-se à terra era necessidade. E a água? No terreno arenoso, sem muita rigidez de obstáculos, ia-se cavando um buraco em busca do líquido da vida. No fundo do quintal brotava um poço profundo que ia até além de 60 metros de profundidade, e de repente a água filtrada pelo arenito despontava brilhante, como se fosse tão somente um olho brilhante olhando para cima. A esperança tomava conta do homem e um velho balde descia pela corda e pela manivela e trazia para cima a água límpida.
Cavar poços é uma tarefa difícil e exige persistência, sobretudo, respeito, porque não se pode ir cavando poços na alma e achar que ele se fechará naturalmente. Nunca! Uma vez ferida a alma, esta passa a espargir o líquido da dor e torna-se urgente tampar o sangramento, mesmo que pequeno. Vivemos cavando poços o dia inteiro. Ora aqui, falando mal de uma pessoa, e é tão fácil cavar poços no quintal do outro. Ora ali, fazendo brotar a inveja daquele que constrói, por força de seu ofício, sua própria plataforma de vida. E ainda mais, ora soltando fakes e comentários maldosos dentro daquele maldito e bendito aparelho que temos em mãos e não largamos: o celular. Este é mais amado que o marido, imprescindível muito mais que uma esposa, e que determina o rumo que iremos tomar durante o dia. Nunca imaginei que um pequeno objeto pudesse casar conosco para sempre! Mas cavar poços é muito pior, porque a terra que se tira, se colocada de volta não preenche o vazio que se fez.
E sem nenhuma piedade, sem respeito pelo ser humano que cumpre seu papel lhe dado pela vida, com a coragem cruel e desmedida de enterrar no poço aberto todas as qualidades do outro, vamos pela vida cavando poços!
Enquanto o poço não seca, não conhecemos o valor da água.” (Thomas Fuller)
Izaura Varella – Advogada e Professora